poderia ser uma coisa corriqueira, certamente ela o fazia sem perceber. todos aqueles rabiscos na última folha do caderno só preocupavam-se com o som das palavras e ela só se preocupava em escrevê-los durante uma aula chata. as palavras que ela escrevia harmonizavam-se entre si e mesmo sendo desconexas faziam mais sentido do que as que estavam no quadro que mesmo parecendo xingamentos, deveriam fazer sentido pra aquela aluna. deveriam, não faziam, nunca fizeram.
era só vontade de se libertar do mundo sujo e estressante, vontade de voar longe ser ter que lidar com outras pessoas, era o mundo só dela logo ela mandava em quem fazia parte dele. às vezes ela só queria ficar só, às vezes conversar apenas com um velho amigo músico odiado. ela mantinha os dois mundos, o real e o 'imaginário', um era complemento do outro e uma coisa só era verdade quando dita no mundo 'imaginário'. este não era o universo perfeito mas era o espaço em que ela não fazia o que queria, sonhava o que queria e roubava a companhia de quem quisesse a hora que quisesse... mesmo sabendo que isso não era possível. por isso havia aquele 'amigo' na cozinha. por isso ela conversava sozinha quando estava em casa.
falar sozinho é uma terapia, deveria tentar. foi nessa hora que ela foi surpreendida pelo faz-de-conta e ele nunca mais a largou. ele era uma parte dela. ele a fazia se sentir melhor. ele a dava raiva.
o café já não era mais uma parte importante do dia dela, a monotonia tomava conta da casa e naquele maldito momento a solidão era sua única companhia. as poucas luzes e as milhões de sombras que haviam se formado não a impediram de sair a caminhar. lá no canto... bem ali, entre as flores estava um chapéu. apenas o chapéu.
o cigarro havia queimado e agora só restava a luz do poste que estava piscando há horas e a lua, bonita no céu. o chão parecia algo a ser examinado naquele momento silencioso.
- Isso, me ignora mais um pouco, estou feliz aqui.
Haviam carinhas no piso, havia a necessidade destas carinhas serem descobertas. o chapéu mudou de lugar e agora estava sentado do lado dela, imóvel, a encarando, ela sabia. ele sabia também.
- Gostei do chapéu.
- Obrigado é novo.
- Eu sei, vi um igual em uma loja em Gramado.
- Sim, te esquecesse?
- Do quê?
- Das tuas compras pra mim, claro.
- Tais ficando louco, definitivamente a falta de companhia te afetou, desculpa não sabia que te faria tanto mal assim.
- Não preciso de ironia obrigado estou bem assim. Na verdade foste tu que me chamasse aqui eu estava muito contente tomando chá junto ao passarinho mas tu insistiu...
- Eu não insisti nada, tu sabes!
- Sim, claro esqueci que tu me renegas. Não devias sabia?
- Deve ser.
houve uma pausa e ela realmente quis que ele tivesse sumido, entretanto ele reatou o assunto.
- E aquelas tantas palavras rabiscadas que tu estavas lendo lá dentro?
- Não tem nenhum significado, por quê?
- Elas tem sentido pra mim.
- Só pra ti então.
- Elas são parte de músicas minhas, desorganizadas mas são, sabias?
- Não fala bobagem, claro que não, eu as invento, sempre as inventei.
- Então tá.
- Olha a ironia, o que menos me custa é te deixar aqui sozinho. Chega.
ela se cansou daquele papo furado, aquela voz dele era irritante demais pra continuar ali sentada e definitivamente ele havia ficado péssimo com aquele chapéu. infelizmente ele discordava.
- Tu devias ter comprado aquele violão...
- Cala a boca.
- Sério.
- Não sei tocar e não quero aprender! Pra que mais iria querer um violão?
- Pra mim tocar pra ti.
- Eu já fiquei feliz de ter passado quase um ano sem ti, imagina se tu aparecesse pra mim pra fazer serenata! Ia ser o fim do mundo, faça-me o favor.
- Está bem então.
houve uma pausa onde os dois contemplaram a lua, ele cantarolava um música ridícula que ela não conhecia e ela fingia que não se importava.
- Era isso então Dylan. Muito bom te rever mas eu cansei dessa conversa, está frio demais aqui.
- Gostaria que tu não foste embora. Como tu disse me sinto sozinho demais.
- Nossa, revelações ein? Eu ficaria mas tenho pessoas me esperando no msn... sabe como é.
- É?
- É, desculpa. Mas assim que eu voltar de Porto Alegre prometo que a gente volta a se falar, ta?
- Não posso ir junto?
- Queres?
- Adoraria!
- Veremos. Tchau.
Ela se levantou, deu uma última olhada para a pessoa que estava sentada na segunda cadeira de madeira, olhou para a cadeira que havia recem levantado. ele a olhou fundo nos olhos e apenas acenou com a cabeça. ela pegou o maço de cigarros e o isqueiro e foi embora batendo a porta.
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