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"À frente do estagnado porto de Buenos Aires, do outro lado do estuário, na banda oriental do rio Uruguai ou Banda dos Charruas - onde os gados introduzidos pelo Governador Hernandarias iam gradativamente se reproduzindo - não havia ainda nenhum estabelecimento fixo espanhol. Todavia, a introdução do cavalo começava a mudar os hábitos das tribos andarilhas. A galope, as boleadeiras já deixavam de caçar avestruzes e veados para caçar gordos bois chimarrões (selvagens) nos campos realengos (do patrimônio do Rei). Também alguns espanhóis dos povoados do rio Paraná começam a trilhar, aventurosamente, aquelas planícies sem-fim, onde a subsistência se garante pela carne fácil. Nem accioneros nem faeneros; espontaneamente, surgia uma terceira classe de homens, à margem do rei e da lei. Muito pouco numerosos, ainda, mas já com seu lugarzinho assegurado na História do futuro. Do ajuntamento de brancos com as índias vão nascendo piás (che piá, meu coração), que ao crescerem serão chinas ou chirus (che iru, meu amigo). Quando eventualmente contratados pelos accioneros ou faeneros para algum serviço de caça ou coureada de vois, ganham um nome: changadores. Mas preferem viver sem fazer nada, cavalgando sem rumo, andarengos sem casa mas com a carne garantida para o espeto. Pouco se preocupam com o futuro, ou quem sabe nem tenham uma noção sobre o amanhã. Por causa desse viver de gáudio, de despreocupação, de gozo, ganham outro nome: gaudérios.
Instintivamente aplicaram ao seu universo o mesmo raciocínio dos corsários. Só é dono das coisas quem tiver condições de defendê-las.
A terra, o céu, o vento e a solidão, o cavalo ou o boi selvagem - tudo isso é de ninguém."
Rio Grande do Sul, prazer em conhecê-lo - Como surgiu o Rio Grande
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Barbosa Lessa
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