15 de dez. de 2011

quinta-feira

Vi que tu estavas atento à televisão, um daqueles desenhos de mau gosto que eu sei que tu adoras e que eu passei a gostar por tua causa. Comecei a pensar nas tantas vezes que estivemos ali deitados naquela cama e em tantas outras, e antes que pudesse perceber já estava empunhando uma caneta que, rápida, desenhava algumas palavras naquele caderno manchado de café. Tu nem me desse bola, já estavas até acostumado, lentamente puxasse mais um cigarro e me lançasses a carteira, em seguida o isqueiro e apoiasses o cinzeiro sob a minha coxa. Tu eras contra me ver fumando e me fazias uma cara de desagradado (que eu sempre achei engraçada mas que nunca tive coragem de te falar), mas assim como eu não podia falar nada sobre o cigarro junto com o café, tu não podias sobre o meu cigarro junto com a escrita.
Eu não fazia ideia do que estava escrevendo mas sentia que era a minha obra prima. Sentia vontade de mostrar para todo mundo, mas também sentia vergonha por me expor daquela forma. Era preferível ficar pelada em praça pública durante um dia inteiro do que permitir que alguém lesse aquilo. Terminei orgulhosa. Coloquei o caderno sob o bidê do meu lado da cama e lentamente me deitei, sorrindo. Tu me puxaste para ti e insistisse em me perguntar sobre o que eu havia escrito. Nunca te respondia, mas naquele dia resolvi responder.
- Sobre o presente.
Aquela resposta contava mais do que ele havia perguntado, contava mais do que eu gostaria de dizer e eu esperava que ele soubesse interpretar. Eu nunca escrevia sobre o presente, sempre escrevia sobre as coisas que gostaria de fazer ou que já haviam ocorrido e que me deixaram triste ou satisfeita. Escrever sobre o presente era admitir que estava feliz.
Ele me sorriu e me deu um beijo na testa. Precisei ir embora, havia perdido a noção do tempo e pra variar, estava atrasada.

Quando cheguei em casa, a noite, havia uma chamada não atendida dele. Retornei e ele me atendeu com voz rouca. Eu havia deixado meu caderno lá, não só com o texto daquele dia mas sim com os do ano inteiro, meu coração disparou mas também senti alivio, afinal duvidava que ele tivesse lido.
- Só vem pra cá pra casa agora, preciso que tu passe a noite aqui, comigo. - Obedeci. Quando cheguei lá ele estava sentado na cama olhando para o caderno.
- Quero ler. – Disse firme.
- Não. Nunca.
- Eu já poderia ter lido ele a tarde inteira e te respeitei e não li, mas agora eu quero que tu me deixes ler.

Permaneci parada séria, havia muita coisa sobre nós naquele caderno, coisas que talvez ele não gostasse de ler, coisas que nem eu gostaria de ter escrito mas que estavam lá. Tentei lhe explicar os motivos mas então mais vontade de ler ele tinha, me falando que poderia tornar as coisas melhores entre a gente caso soubesse o que realmente me magoa, afinal ele sabia que muitas vezes eu ficava triste com ele mas que não gostava de falar.
Depois de muito tempo de discussão, cedi mas pedi que não o observasse lendo, desta forma fui tomar banho e jantar mas quando cheguei no quarto novamente ele ainda estava na metade do caderno. Peguei dois cigarros e fui para a rua observar a noite deitada na rede e acabei adormecendo. Às duas da manhã acordei com ele me olhando e me pedindo que fosse deitar com ele.
Ao deitar na cama, antes de dormir lhe agradeci, ele sorriu e logo adormeceu, eu pelo contrário perdi o sono e ainda fiquei pensando no que eu havia escrito naquele caderno e resolvi levantar para lê-lo. Para a minha surpresa ele havia escrito também uma única página.

'Obrigada por tudo. Reconheço a tua importância e não fazia ideia do quão mal eu fui capaz de te deixar. Ter lido as tuas palavras, borradas por causa das lágrimas que eu te fiz chorar me fez pensar em quem eu me tornei e com isso procurei durante horas tentar entender porque tu ainda estás comigo, mesmo depois de todas essas idas e voltas durante todos esses anos. Como tu mesma colocastes, tu sabes que eu sou um atraso na tua vida acadêmica mas fico feliz que pelo menos entendes que eu preciso de ti. A nossa relação está no auge, se começarmos a observar os últimos anos, entretanto nós estamos nos perdendo.
Não sabíamos mais conversar e por mais que eu soubesse do teu caderno, nunca tive a coragem de te pedir para ler, sabia que nos teus momentos mais fracos ele era o teu amigo, o papel que devia ser meu. Eu fui o causador de muita dor por parte tua e eu peço desculpas. Aceito as tuas também.
Compreendo que te deixei em uma situação mais que complicada, mas peço que te coloques no meu lugar, de fato, sem querer 'cortar os pulsos'. Gostaria de ir juntando tudo de bom que já tivemos durante esse tempo e conseguir um momento só nosso, tu sabes o que tu fazes em mim mas ‘nem sempre o final vai ser feliz como o filme diz’ e eu sinto que nós é que somos os errados na nossa própria história. De fato nunca conseguiremos ser só nós dois.
Quando nós dois amadurecermos, eu prometo te ligar.”

Pus o caderno de lado e adormeci, sabia que quando eu acordasse ele não estaria do meu lado, já teria saído para trabalhar e eu ainda ficaria ali por mais algum tempo até sair para fazer as minhas coisas. Quando acordei havia um bilhetinho na geladeira e café passado. Levantei, me arrumei e fechei a casa, colocando a chave no esconderijo junto com um papel escrito ‘Obrigado e adeus’.

E assim nós nos despedimos para mais dois anos sem história.

Um comentário:

  1. Poxa, melancólico e sincero. Gostei muito dessa tua escrita ;;

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