Era apenas mais uma noite de verão, daquelas bem quentes onde não se consegue nem ficar dentro de casa e nem dormir. Pouco tempo antes havia caído uma chuvinha para refrescar mas ela estava no posto comprando dois de seus melhores amigos. Agora, ela caminhava por entre os carros, únicos companheiros que haviam restado nas ruas vazias de uma quarta-feira às três horas da manhã. Por entre os dedos de uma mão encontrava-se um cigarro pela metade e na outra a garrafa de vodka ainda no início.
- A noite vai ser longa - suspirou ela sentando-se no cais e admirando a lua batendo na água calma enquanto ela ainda hesitava em sorver a garrafa, ocupando sua boca, não com cigarros, mas com as unhas vermelhas roídas com esmalte pela metade.
Ele a havia deixado e ela, desde então, fingia que tudo estava bem, fingia que a casa sem ele ficava bem melhor. Ela mesma não precisava dos batuques dele e das manias insuportáveis que ela havia adquirido mesmo sem querer dele. Aliás o que ela mais pensava era como havia sido tola, afinal ela nunca se entregava a ninguém e porque com ele seria diferente? Estava cansada daquilo. Aquelas tentativas de quase amor não eram para ela, e sim para ele. Apenas nisso eram opostos. Ele acreditava na chance de ser feliz com outro alguém e se doava, aparentemente, para essa pessoa num piscar de olhos e ela, dura, demorava tempos a acreditar nos outros.
Os goles iam indo rápido lá pelas quatro e alguma coisa, mais rápidos até que os cigarros. A lua permanecia lá, refletida na água, esperando ela ir tocá-la. Ela sentia falta de uma trilha sonora. Ela sempre sentia falta de uma trilha sonora. Não importava, ela sempre achava que deveria existir uma músiquinha de fundo dramatizando tudo um pouco mais. Talvez tudo ficasse mais fácil, afinal nos filmes sempre existe a músiquinha de fundo e no final tudo sempre fica bem. E no momento ela aceitava qualquer coisa, aceitava até ele de volta, desde que ele prometesse amá-la novamente. Ela acreditaria nele, sempre acreditou.
Lembrou-se de uma noite em que os dois haviam passado, naquele mesmo local, admirando a lua. Foi bem no início da relação, ele havia sido tão gentil e carinhoso... Foi naquele dia que ela entregou-se para ele de vez, de corpo e alma. Até naquele dia havia uma trilha sonora: Saving Grave do Pete Murray... Depois disso, nunca mais ela havia ido até lá admirar a lua. Agora parecia um momento propício. Ela desejava tê-lo mais uma vez ali com ela, repetir aquele momento épico, por que não? Mas agora ele encontrava-se bem longe dela, acariciando outra talvez.
Sem querer uma única lágrima escorreu em seu rosto, uma lágrima mal recebida, ela a retirou com raiva. Acendeu outro cigarro. Já eram cinco e meia. Ela quis ir para casa mas tinha desaprendido o caminho. Quis que seus pés a levassem mas não tinha certeza se eles sabiam. Decidiu ficar ali um pouco mais, a garrafa estava na metade ainda.
Encostou-se em uma pedra ali por perto, colocou o rosto entre as pernas e observou uma formiga por cerca de vinte minutos. Parecia fácil ser a formiga. Pelo menos menos complicado do que envolver-se emocionalmente com alguém. Pelo que ela sabia sobre formigas, muito pouco diga-se de passagem, elas apenas acasalavam-se por uma causa maior: a continuação da espécie. O que no caso dela não seria possível ja que não gostaria de ter filhos mas sexo apenas por sexo era uma boa... se ela conseguisse esquecê-lo por alguns instantes.
Olhou o celular, pensou em ligar para ele, eram seis da manhã, ele com certeza já deveria estar acordado. Desistiu. Não queria causar um embaraço a ele, definitivamente ele estava com a outra. Ficou por alguns momentos apenas observando o sol nascer, quieta. Não havia nada a pensar, só havia a beber, e como bebia. Naquela noite, foi-se o resto do maço que ela tinha e a metade do recém comprado. Foi-se quase a garrafa inteira também. Ela achou melhor parar antes de terminá-la. Agora eram quase sete horas da manhã e o mundo dava sinais, pois praticamente todos já estavam acordados e ela... ah ela recém estava indo para casa... pelo menos para o que ela achava que era casa.
Levantou-se com dificuldade, quebrou a garrafa ao deixá-la cair de sua mão escorregadia. Lamentou. Seguiu caminhando, fingindo que aquelas pessoas desconhecidas indo para o trabalho não existiam e que, novamente, era apenas ela e os carros parados. Esperava com todas as forças que seus pés soubessem onde estava indo porque ela não sabia há semanas para onde estava indo.