16 de nov. de 2010

sobre as coisas que não deveriam ser esquecidas

eu o vi na frente do bar, ali na esquina, fumando sozinho. hesitei em me aproximar, me contentei em ficar do outro lado da rua, encostada à parede tomando meu café. depois de alguns segundos ele me viu e ficou um tempo me olhando. a rua estava vazia mas o bar às costas dele estava lotado e barulhento e eu acho que ele tinha amigos ali, esperando por ele. eu, sozinha. mais uma caminhada pelas ruas de POA pelo início da noite. o dia havia sido corrido e uma caminhada de duas quadras era fundamental.

meu celular tocou, mensagem da minha mãe, perguntando quando eu voltava. não respondi de imediato, guardei-o no bolso novamente e quando me dei por conta ele já estava atravessando a rua. parou a minha frente e sorriu, disse um oi meio tímido. eu apenas sorri, minha voz faltou e ele sorriu com mais vontade. sentou-se na soleira da porta de uma casa amarela onde morava uma velhinha pequena e aparentemente frágil. sentei com ele.

meu café havia acabado e ele me perguntou o que eu fazia a noite, sozinha olhando o bar.
- precisava ficar sozinha um pouco, ver gente que eu não conhecia.
- então eu atrapalhei?
- eu não te conheço e estou te vendo.

ele apenas sorriu, lá dentro do bar havia música ao vivo, Engenheiros... ele cantarolou, me perguntou se eu gostava. primeira pergunta-chave. depois de uns dois anos eu descobri que ele faz perguntas-chave pras gurias que ele conhece, 'pra saber se são pessoas legais e de confiança' segundo as próprias palavras dele.

era semana de grenal e muito provavelmente era por isso que ele estava em POA, nunca perguntei. as únicas coisas que eu perguntei foram o que ele fazia ali e se ele ainda gostava dela. peguei pesado. em seguida que estas últimas palavras saíram da minha boca ele olhou para baixo, puxou o maço de cigarros do bolso da camisa e procurou o isqueiro, meio que tentando organizar os pensamentos. estendi um isqueiro para ele, nem agradeceu de tão perdido.

- não precisa responder, desculpa.
- não, vou responder só que eu não sei qual é a resposta. tipo, eu acho que eu ainda gosto dela mas é como se eu só tivesse apegado a idéia de gostar de alguém e não porque eu quero namorar com ela.

não tinha o que falar, ele havia falado tudo que eu queria escutar. nós ficamos ali conversando durante um tempo, umas duas horas. ele prometeu me ligar antes de pegar o avião e na próxima vez que viesse a Porto Alegre. eu não estaria mais lá mas ele não precisava saber disso, pelo menos não por aquela noite. três meses depois ele descobriu e não se chateou nem um pouco, inclusive foi a Rio Grande pra me ver e amanhã fazem três anos que nos conhecemos e eu tenho certeza que ele vai me ligar. aquela noite me faz falta. toda vez que vou a POA olho para aquela casa amarela da velhinha simpática onde nos encontramos tantas vezes depois da primeira vez. o bar fechou, foi assaltado e quebrou. a velhinha continua lá, sorrindo para mim e eu ainda me pergunto se ela se lembra de mim e daquela noite.


'Não pense que vai apagar da memória,
são coisas que eles não vão saber,
eu sei muito mais do que os outros sobre você'

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